sábado, 18 de janeiro de 2014

Anselmo Borges: "Francisco e Obama"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje:


Bento XVI teve um gesto histórico único ao determinar que no dia 28 do mês de Fevereiro passado, às 20 horas, a sede de Roma ficava vacante, abrindo assim caminho à eleição de um novo Papa. No dia 13 de Março, aconteceu pela primeira vez um Papa jesuíta: o cardeal de Buenos Aires, Bergoglio.

O nome escolhido, Francisco, foi todo um programa, que tem realizado. A sua atitude tem sido autenticamente franciscana. Conquistou o mundo, ao inclinar-se, despojado, perante a multidão e pedindo a sua bênção. Depois, com a sua humildade, simplicidade, bondade, compaixão, deixou o Palácio Apostólico para viver normalmente em Santa Marta. O seu interesse pelas pessoas é real e genuíno. Foi a Lampedusa, beija, diz piadas, sorri, ri, acaricia, escreve cartas, telefona. Não tem medo. Declara que também tem dúvidas.

Mas Francisco tem pela frente imensos problemas. Diria que o primeiro é tentar converter a sua Igreja ao cristianismo, começando pelos hierarcas. Que os cardeais, bispos, padres, católicos, se convertam ao Evangelho de Jesus.

Os problemas são ad intra e ad extra, isto é, no interior da Igreja e na sua relação com o mundo. Dentro, para lá da questão decisiva da conversão, há todo o problema de uma nova Constituição para a Igreja, a começar pelo papado. Não é compreensível que o Papa sozinho tenha tanto poder como o Papa e os bispos juntos, no quadro de uma monarquia absoluta. Significativamente, Francisco não fala de si como Papa, mas como bispo de Roma, o que indica que quer descentralizar, no quadro de maior participação dos bispos e das conferências episcopais. A Igreja Católica é a única instituição verdadeiramente global, e isso tem de implicar descentralização nos vários domínios da vivência do cristianismo. Se a Igreja é de todos, Povo de Deus, impõe-se a participação activa de todos, e será necessário dar também lugar às mulheres nos lugares cimeiros de decisão.

Para a pedofilia, tolerância zero. Essencial é a transparência no Banco do Vaticano. No contexto da moral, o próprio Francisco já condenou o legalismo e o ritualismo e avisou que não pode viver obcecada com o sexo. Assim, mostra compreensão em relação aos homossexuais, mandou um inquérito audaz a todos os católicos sobre o novo mundo da vivência familiar. É expectável que se abra a uma revisão da Humanae Vitae e aos anticonceptivos, à participação em toda a vida da Igreja, incluindo a comunhão, por parte dos divorciados recasados. Não irá ainda para a abolição da lei do celibato dos padres, mas poderá abrir as portas aos padres que entretanto casaram e à ordenação de homens casados.

Quanto à missão da Igreja para o seu exterior, Francisco já manifestou o seu empenhamento no ecumenismo - diálogo com as outras Igrejas cristãs, nomeadamente a ortodoxa, não sendo impossível vê-lo a visitar Moscovo - e no diálogo inter-religioso, concretamente com o islão. As Nunciaturas Apostólicas, isto é, as Embaixadas do Vaticano em quase todos os países do mundo terão o papel de pontes para a paz e a promoção dos direitos humanos. O Papa Francisco continuará a intervir no mundo como voz político-moral global, proclamando a justiça e a paz.

O efeito Francisco é inegável. Está aí a sua imensa influência nos média. Tem 11 milhões de seguidores no Twitter. Foi considerado a personalidade do ano 2013. Granjeou empatia, simpatia e admiração global. A prática religiosa tem aumentado. E a razão é simples: tomou a sério o Evangelho.

Mas não se pode ser ingénuo. Encontrará muitas resistências dentro e fora da Igreja. Sobretudo dentro, correndo o risco de, como Obama, cuja popularidade desceu, ver em parte bloqueada a sua revolução pacífica. É o que aconteceria se não conseguisse uma nova Constituição para a Igreja, uma profunda e rápida transformação da Cúria, transparência plena no Banco do Vaticano.

Mas há razões para uma esperança fundada. Rodeou-se do G8 cardinalício e quer rapidamente reformar a Cúria. Francisco faz a síntese de franciscano e de jesuíta. Ele é cristão franciscano, com formação de jesuíta para uma estratégia na eficácia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Anselmo Borges compara Francisco a Obama, nao sei porquê. Ou por outra até sei mt bem mas acho q não é por boas razoes. Nao têm nada a ver um com o outro pois enquanto q Obama é um produto de marketing o outro é genuino. Um é um defensor de uma agenda fractuante e o outro é o oposto....e é aqui q queria chegar, esta colagem a uma agenda fracturante q estao a tentar fazer de F é 'blasfema' e absurda. Estou a ler a exortação apostolica e o q descubro é um enorme apelo à santificação, à mudança interior de cada para q se possa contunuar a mudança do mundo para melhor. O q vejo na anàlise de AB a Francisco resume-se sempre ao entranhado hâbito progressista de q tudo tem q mudar menos 'eu' proprio. Isto é o'deveriaqueismo' como lhe chama Francisco. Aliás Francisco faz a critica certeira a Igreja mas com todo o amor e respeito e mt sabedoria q é coisa q mt vezes falta aos 'deveriaqueistas' do regime. Fico à espera de ouvir AB a falar da essencia das coisas e nao com vulgaridades
Jacome

Anónimo disse...

Concordo consigo, Jacome.
Aliás, tenho concordado muitas vezes e penso que os seus comentários são sempre pertinentes.

Mas espere sentado. Vulgaridades
é o que não há-de faltar enquanto durar o "efeito Francisco".

Veja que até já definem os critérios pelos quais o Papa falhará. Não querem saber dos critérios que ele imporá a si mesmo, mas aqueles que eles decidiram.
Se o Papa, precisamente porque é humilde e um homem de diálogo (algo que eles tanto louvam), encontrar uma síntese entre as várias tendências, será um fracasso. A agenda deles é que é importante. No caso de Obama, perdeu eleições e teve de se adaptar. Algo supostamente natural numa democracia. No caso do Papa, a caridade do sucessor de Pedro deve ouvir todos e a todos servir.

Hoje o Papa Francisco tem muitos amigos. Veremos quantos terá daqui a uns anos.

Maria João Brás

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