domingo, 31 de julho de 2011

Anselmo Borges: Os múltiplos interesses do ser humano

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui), domingo, já que o texto de ontem, como explica hoje a edição em papel, é de Adriano Moreira (que volta a ser hoje publicado, por via das dúvidas, em vez de nos próximos dias, como estava previsto).


Max Scheler (1874-1928)

Na sua Sociologia do Saber, Max Scheler mostra como na base do esforço pelo conhecimento está um tríplice interesse e três impulsos: o interesse e impulso em ordem à salvação, que se expressa no saber teológico; o impulso metafísico, que se concretiza na filosofia enquanto dirigida para o conhecimento da essência das coisas; o impulso de domínio, que põe em marcha o saber científico-técnico, sobretudo a partir da modernidade e, mais concretamente, do positivismo.
Na mesma linha - sirvo-me da síntese de Adela Cortina -, também Karl-Otto Apel e sobretudo Jürgen Habermas sublinharam os três interesses do conhecimento, que são constitutivos da espécie humana. Concebemos a realidade a partir de três perspectivas, que têm na base três orientações fundamentais: o interesse técnico, que corresponde ao interesse scheleriano de domínio e se traduz nas ciências empírico-analíticas; o interesse prático, que procede do impulso para o saber de formação e se refere ao sentido no âmbito das ciências histórico-hermenêuticas; o interesse emancipatório, que, num mundo secularizado, é a tradução do impulso scheleriano para a salvação.
Ao contrário do que pensou Augusto Comte nomeadamente, estas três formas, impulsos e interesses de saber não se encontram numa ordem de sucessão, de tal modo que acabariam por convergir e reduzir-se ao interesse científico-técnico. Pelo contrário, sendo constitutivos e vitais para o Homem, têm de conviver.
Que é que isto quer dizer? Para que o ser humano se mantenha autêntico e íntegro, nenhum destes impulsos pode ser anulado. Não é possível reduzir o interesse humano ao domínio científico-técnico: é preciso ter em conta e englobar todos os saberes de forma integrada e orientar-se para a formação do ser humano segundo um paradigma ecuménico e holístico.
Afinal, a realidade é infinitamente complexa, e a ciência no sentido das chamadas ciências exactas ou naturais não tem meio de captá-la na sua ultimidade e totalidade. Precisamos de múltiplos meios para melhor nos aproximarmos dela, sem nunca a esgotarmos. Aproximamo-nos dela pelas ciências, pelas artes, pelas literaturas, pelas filosofias, pelas religiões.
O ser humano leva consigo, constitutiva e decisivamente, a questão do sentido e do sentido último, e a ciência e a técnica não têm competência nem possibilidade de dar resposta. E as técnicas são para quem? Com que finalidade? E como deve o ser humano comportar-se e agir para ser real e autenticamente humano? E como há-de viver em comum numa sociedade pacífica e promotora da dignidade humana na polis global? Lá está Terêncio: "Homo sum, nihil humanum a me alienum puto" (sou Homem, nada do que é humano o considero estranho a mim).
Foi, pois, gratificante para mim, na apresentação do livro "Ciência e Mito", do químico António Amorim da Costa, poder sublinhar o apelo do autor para que, sem afectar a especialização, se não cave o fosso entre as "duas culturas": Ciências e Humanidades. "A História, a Filosofia e Sociologia das Ciências são hoje componentes fortes da formação académica, consagradas nos respectivos currículos disciplinares, oferecidas pelas mais prestigiadas Instituições de Ensino Superior. O seu enraizamento em algumas delas conta já com várias décadas de existência e está bem patente na própria estrutura em que a Instituição se organiza."
E apresenta o caso da formação académica oferecida pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) ou pelo California Institute of Technology (CALTECH), nos Estados Unidos, duas das mais prestigiadas instituições científicas em todo o mundo. "Tratando-se de duas Instituições criadas de raiz para a formação académica de cariz tecnológico, como o próprio nome indica, ambas tomaram para base da sua organização duas unidades básicas: por um lado, as Escolas ou Divisões de formação no domínio dos estudos dos fenómenos naturais e, por outro, a Escola ou Divisão das Ciências Sociais e Humanas."

2 comentários:

Anónimo disse...

Talvez interesse ver. Trata-se do último livro de um dos maiores teólogos do nosso tempo, na sequência aliás de um outro com título parecido. Anselmo Borges já se tinha referido a ele. Toca numa questão muito sensível. Falar em alarmismo é fugir à realidade. O que ele diz, antes de ser dito por ele, é dito pela realidade. Nua e cruamente.
http://www.periodistadigital.com/religion/mundo/2011/07/30/diagnostico-enferma-terminal-iglesia-religion-hans-kung-papa-ratzinger-cisma.shtml

Jorge Pires Ferreira disse...

Obrigado pela dica. Já fui ver. Mais uma leitura para hoje à noite.

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