sábado, 30 de julho de 2011

Adriano Moreira: As seitas e o globalismo



Nota às 17h40 de sábado, 30 de Julho: Este texto que esteve on-line no sítio do DN como sendo de Anselmo Borges é de Adriano Moreira. Na edição em papel saiu como sendo de Anselmo Borges. É um erro que amanhã será corrigido na edição impressa. De qualquer forma, tratando-se de um texto em que entra a temática religiosa, vou mantê-lo neste blogue. 


É comum reservar o conceito de seita, com dificuldades de fixação geralmente aceites, para fenómenos relacionados com as religiões, e não faltam exemplos recentes que suscitam não apenas discussão doutrinal, também intervenções legislativas, algumas tendo maior relação com o direito criminal do que com os valores das crenças. Foi por exemplo o caso do suicídio colectivo dos novecentos e catorze membros do Templo do Povo na Guiana, ou o atentado com gás sarin no metro de Tóquio, tudo pelos fins do século passado, acontecimentos tão violentos que chegou a ser teoricamente defendido o direito de perseguição.


Acontece que o corte do poder político com a transcendência, apoiado na civilização técnica em que se traduz crescentemente a vida quotidiana, não dispensa sistemas delineados pela razão, ou pela imaginação de regra fazendo com que os valores instrumentais secundarizem no final os valores humanos.


A questão em relação ao reivindicado cientismo que serve de base ao corte com a transcendência é que o sistema, por vezes intitulado de transcendental, para organizar as sociedades, é criação em vista de objectivos, não é descoberta ou compreensão da realidade. Mas se a tradição já longa relacionou as seitas com as religiões, o facto é que o cientismo, o positivismo, as sociedades laicas, a lidar com os seus próprios valores racionalmente organizados em função dos objectivos, com supremacia dos valores instrumentais, também se envolvem frequentemente de dogmatismo, de uma proclamada respeitabilidade laica que é a sua forma de sacralização, numa atitude que é uma espécie de preparação para a ofensiva demolidora das divergências, todas consideradas perigos mortais.


Os totalitarismos que desencadearam a guerra mundial foram exemplos de uma violência sem precedentes finalmente considerados equivalentes a seitas em relação à civilização ocidental que pretenderam submeter a rupturas definitivas com as raízes e os futuros perseguidos.


De novo, os efeitos consequenciais da deriva para um globalismo sem governança, envoltos por isso num relativismo com equivalência em várias crises maiores da própria história, e que esqueceram os normativos da organização internacional depois do fim da guerra, incluindo esta a guerra fria, estão a despertar ferozes sectarismos de sinal contrário ao que de regra caracterizava as seitas. Enquanto estas, especialmente as referidas a religiões organizadas, se identificaram pelo corte com o sistema histórico e tradicional, agora trata-se de um regresso cego a um passado imaginado de suspensão transitória. A rutura é com a evolução, não é sequer com organizações finalmente estruturadas, é com versões do consequencialismo lido com reprovação nos sinais de mudança, repudiadas em nome de um passado nem sequer vivido, apenas lido em versões discutíveis de manifestos, em proclamações que se apoiam em dificuldades de vida para sonharem repor um imaginado modelo ideologicamente fundamentado. Não se trata de segurança humana que é uma referência cimeira da organização ocidental em mudança, e que sirva de referência à correcção de enganos de percurso, trata-se de confiar na violência pura, isto é, que atinge indiscriminadamente inocentes, que é a síntese do terrorismo, na convicção irracional de que dessa violência caótica nasceria a vontade ou submissão de voltar às impostas raízes.


O tremendo caso da Noruega, que enlutou sobretudo a Europa inteira e o Ocidente, é mais uma sangrenta demonstração de que não são apenas as chamadas grandes potências, como os EUA, ou a Espanha, ou o Japão, é antes todo o Ocidente que é chamado a enfrentar a explosão de seitas da época relativista em que entrou, com a gravidade acrescida de se multiplicarem os sinais de propagação desses terrorismos, organizados em células autónomas, um modelo recebido do multiculturalismo especificamente invocado no caso presente, e que exige uma resposta estratégica de defesa que seja solidária e ética.

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