quinta-feira, 30 de junho de 2011

30 de Junho de 1968. Paulo VI profere e publica o Credo do Povo de Deus

Paulo VI e Jacques Maritain, no encerramento do Concílio (8 de Dezembro de 1965)


No dia 30 de Junho de 1968, encerrando o "Ano da Fé", que celebrava o 19.º centenário do martírio dos apóstolos Pedro e Paulo, Paulo VI publicou uma carta apostólica que concluía com o Credo do Povo de Deus. Começa assim:
Cremos em um só Deus - Pai, Filho e Espírito Santo - Criador das coisas visíveis - como este mundo, onde se desenrola nossa vida passageira -, Criador das coisas invisíveis - como são os puros espíritos, que também chamamos anjos -, Criador igualmente, em cada homem, da alma espiritual e imortal.
Hoje já não se fala deste Credo, ao contrário de há uma ou duas décadas. Será pelas concepções teológicas e antropológicas (anjo, alma espiritual, pecado de Adão...). Ou porque Paulo VI é um Papa esquecido? O Credo pode ser lido aqui. E sabe-se que o Credo segue basicamente uma proposta do filósofo Jacques Maritain. A história é relatada na revista "30 Dias", em 2008:
Em 14 de dezembro de 1967, o cardeal suíço [Charles Journet] é recebido novamente por Paulo VI, e aproveita para renovar a sugestão que recebera de Maritain no início do ano. Conta o cardeal Cottier: “Journet perguntou a Paulo VI se, no final do Ano da Fé, tinha intenção de publicar algum grande documento, para orientar aqueles que queriam permanecer na Igreja. O Papa lhe respondeu que alguém já havia sugerido uma perspectiva como aquela no final do Concílio, e lembrou expressamente o projeto – deixado de lado – de Congar. Depois, fez a Journet um pedido surpreendente e difícil. Disse ao cardeal: ‘Prepare-me o senhor um esquema do que pensa que deva ser feito’”. 
Diante do pedido do Papa, Journet não perde tempo e, tão logo volta a Friburgo, dirige-se a Maritain. Na carta de 17 de dezembro, escreve ao amigo filósofo: “Assim, Jacques, como eu poderia não pensar em pedir logo a sua ajuda? A questão é o tom que devemos usar, como também as coisas que devem ser ditas, o que é difícil de resolver. Dizem que um novo Sílabo não adiantaria. [...] Você pode pensar um pouco nessas coisas e me dizer o que acha apropriado para o esclarecimento das almas? Quanto maior for a sua precisão, mais me ajudará”. Conta o cardeal Cottier: “No início de janeiro, durante um período que passou em Paris, Maritain redige um projeto de professio fidei. Termina-o em 11 de janeiro, e no dia 20 envia o texto a Journet. Na carta que o acompanha, escreve: ‘Fiquei contente por fazê-lo, e ansioso, ao mesmo tempo, por saber o que você pensará disso; mas também mortificado e confuso, pelo fato de, para redigir estas páginas, ter tido, por alguns instantes, usando a imaginação, de pôr um pobre diabo como eu no lugar do Santo Padre! Não há situação mais idiota’. Depois, acrescenta: ‘Charles, faça o que quiser, jogue-o no fogo se quiser. Estou num estado mais miserável que nunca; mesmo assim, o documento que o Papa lhe pediu para preparar parece-me cada vez mais de importância capital’”. 
Journet, na carta com que lhe responde, diz-se “desconcertado de gratidão” ao ler as páginas de Maritain. No dia seguinte, envia o texto a Paulo VI, sem modificar uma vírgula: “A questão é tão difícil, dado o estado atual dos espíritos”, escreve Journet ao Papa para justificar o envolvimento do amigo comum filósofo, “que pensei em falar dela a Jacques Maritain, que há muito tempo prega nesse sentido, e cuja experiência do mundo é muito grande. Acabo de receber dele uma resposta que Lhe repasso integralmente”. Acrescenta ao material enviado ao Papa dois trechos da carta que recebera de Maritain em 20 de janeiro. Num deles, Maritain sugere que a nova profissão de fé se baseie “nos Credos antigos, mas com um estilo mais simples”. 
Pelas cartas, fica muito claro que o texto elaborado por Maritain queria ser apenas um esboço experimental, como uma ajuda ao amigo Journet. Journet, tomando uma iniciativa que não combinara com o filósofo, é que “repassa” o texto sine glossa a Paulo VI. E não o faz para “promover” o amigo Maritain aos olhos do Papa, mas, sim, porque o texto preparado por Maritain parece-lhe realmente a resposta superabundante às expectativas do momento. “O milagre”, escreve Journet a Maritain em 24 de janeiro, “é que todos os pontos difíceis foram tocados e evidenciados novamente”. Acrescenta o cardeal Cottier: “Os dados essenciais da fé que precisavam ser confessados diante da confusão teológica daqueles tempos tinham sido sublinhados claramente pelo próprio Journet, no relatório que enviara a Roma em 21 de setembro de 1967, no qual enumerava os pontos em que o catecismo holandês parecia, a seu ver, ter-se distanciado da doutrina da Igreja: ‘A queda original, o sentido da Redenção, a natureza do sacrifício da missa, a presença corporal de Cristo na Eucaristia, a criação ex nihilo do mundo e de cada alma humana, o primado de Pedro [...]. A doutrina do batismo e dos sacramentos da Nova Lei [...]; o papel da Virgem Maria, sua maternidade virginal [...], sua ciência das coisas divinas, sua Imaculada Conceição e sua Assunção’”.
(...)
Em 30 de junho, Paulo VI proclama em São Pedro oCredo do povo de Deus. Só em 2 de julho, lendo o jornal como qualquer outro cristão, Maritain encontra, nas sínteses publicadas, amplos trechos do texto que havia enviado a Journet no início do ano. 
Credo do povo de Deus coincide substancialmente com o esboço preparado por Maritain (ver box, à p. 53). O estudioso beneditino Michel Cagin, que está para publicar a sinopse dos textos, confirma, numa nota preparada para o sexto volume da Correspondance, que a professio fidei assinada pelo Papa toma, do texto de Maritain, “sua concepção de fundo – completando a trama do Símbolo de Nicéia-Constantinópolis com os desenvolvimentos homogêneos do dogma que vieram depois dele –, e também sua formulação, algumas vezes literalmente, outras condensando-a um pouco, omitindo certas ampliações, certas explicações, para dar ao texto o estilo conciso de um Símbolo”. Mas, então, trata-se doCredo de Paulo VI ou do Credo de Maritain? 
Padre Cottier não tem dúvidas. Qualquer tentativa de liquidar a professio fidei de Paulo VI, considerando-a o exercício intelectual de um velho filósofo amigo do Papa, está fora de cogitação: “O papa Montini já havia descartado outros projetos, como o preparado por Congar. O texto que vê em suas mãos, segundo as intenções do autor, não se destinava a ele, mas ao cardeal Journet. Paulo VI simplesmente reconheceu, no conteúdo e na formulação daquele esboço, aquilo que era sua tarefa confessar como pastor, em nome de todos os sacerdotes e de todos os fiéis. Ao redigir seu texto, Maritain apenas seguira, quase instintivamente, o sensus fidei, o mesmo que se expressava em todos os pedidos provenientes do Sínodo dos Bispos, e que inspirara Paulo VI a proclamar o Ano da Fé.
Artigo da "30 Dias" aqui.

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