quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Maquiavel e Savonarola

Maquiavel

Sempre me intrigou o encontro entre os grandes espíritos da história. O que dizem? Cumprimenta-se? Falam do estado do tempo? O que disse Descartes quando se cruzou com Pascal? Ninguém sabe. Mas há outros de que se sabe.

Um dos célebres encontros foi entre Napoleão e Goethe. O imperador queria que o poeta cantasse os seus feitos, como Virgílio cantara os de Augusto. E disse a Goethe, quando o viu, lisonjeador: “Eis um homem!” Goethe torceu o nariz. Este encontro foi no dia 2 de Outubro de 1808 em Erfurt.

Erfurt, por seu turno, é uma cidade ligada a Lutero. Foi lá que o reformador frequentou a universidade. E foi lá que ingressou na ordem dos agostinianos, no dia 17 de Julho de 1505 (aqui). Na altura, desfez-se de todos os seus livros excepto os de Virgílio. Mas isto foi mais de três séculos antes. Ontem lembrei aqui Lutero a propósito da tentativa de reforma do frade Savonarola. Deveria ter evocado antes Maquiavel. É que o autor de “O Príncipe”, então com 29 anos, assistiu à morte de Savonarola por enforcamento seguida de incineração do seu corpo (para que não houvesse tentativas de ressurgimento do movimento do frade dominicano à volta da sepultura).

Alguém observou que Maquiavel (1469-1527) é contemporâneo de Leonardo de Vinci (1452-1519) e Miguel Ângelo (1457-1564), com quem se deve ter cruzado na mesma cidade, mas nunca os refere nos seus escritos. Já Savonarola influenciou as ideias políticas de Maquiavel. Mais do que isso. O fim de Savonarola deu trabalho a Maquiavel. Uns dias depois do fim do governo demo-teocrático do frade, e com a deposição dos sequazes que sobrevivem, Maquiavel é nomeado secretário da Segunda Chancelaria, posto que ocupará por 14 anos e lhe possibilitará viagens diplomáticas e conhecimentos que depois integrará na sua obra maior, escrita em 1513 e publicada em 1532.

Sobre Savonarola, Maquiavel escreve numa carta que é um “profeta desarmado que nada pode contra a força”. George Mounin explica que a experiência governativa de Savonarola (que aceita que lhe dêem o poder depois de muito criticar os Médici) “é um dos grandes acontecimentos políticos a que assistirá” (“Maquiavel”, Edições 70, pág, 12).

Como reagiu o iniciador do pensamento político moderno? Mounin adianta: “Ouve Savonarola, como observador que relata, quase como um indicador, pois possuímos uma longa carta sua, de 8 de Março de 1497, a Ricardo Bechi, embaixador de Florença em Roma – um relatório pormenorizado onde Maquiavel menciona com agrado as diatribes contras os padres e o papa e indica friamente que o Frater «utiliza habilmente as circunstâncias e sabe bem disfarçar os seus embustes». Maquiavel fez decerto parte daqueles florentinos que faziam denúncias a Roma e que, por mais de uma vez, Savonarola acusou do alto do púlpito. Mesmo se, mais tarde, e em atenção a certos círculos florentinos cujas graças queria conservar, Maquiavel amenizou os seus juízos acerca do Frater, não é possível tomá-lo como um adepto de Savonarola”.

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