sábado, 28 de agosto de 2010

Anselmo Borges: Há receitas para a felicidade?

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje. Note-se que termina referindo-se a Santo Agostinho. Hoje é dia dele.


O que queremos verdadeiramente é, sem sombra de dúvida, ser felizes. Mas como se chega à felicidade? É que, para se ser feliz, é necessária uma multidão de coisas e de condições: algum prazer, saúde, uma vida familiar agradável, realização profissional mínima, reconhecimento social, algum dinheiro, amigos - "sem amigos, ninguém escolheria viver", disse Aristóteles. Depois, também é preciso ter sorte, como diz a própria palavra no seu étimo ("felix"), e isso não acontece apenas com felicidade ("felicidad", em espanhol, e "felicità", em italiano): o "Glück" alemão significa felicidade e sorte, a raiz de "happiness" é "happ", com o significado de acaso, fortuna ("perhaps" significa talvez), o mesmo acontecendo nas palavras grega e francesa, respectivamente: "eudaimonia" e "bonheur".


E há choques, oposições, contradições. O Prémio Nobel da Literatura Heinrich Böll escreveu uma estória cheia de humor e sentido - eu ouvi-a ao Padre Tony de Mello. Chega um turista e dialoga com um pescador pobre, a apanhar sol na praia, com o resultado da sua pescaria: dois peixes. - Porque não pescas mais? - Para quê? - Para teres dinheiro, criavas uma empresa, tinhas muitos empregados, eras cada vez mais rico, exportavas, montavas mais empresas... - E depois?, pergunta o pescador. - Serias tão rico que já nem precisavas de trabalhar e passarias os dias na praia a apanhar sol... - Mas é precisamente o que estou a fazer, sem ter de passar por toda essa trapalhada, atirou-lhe o pescador.


Sob certo aspecto, é o pescador que tem razão. Será que precisamos de tanta quinquilharia, da qual já não conseguimos prescindir e pela qual nos desgraçamos a trabalhar? Por outro lado, o que seria a vida sem iniciativa e realizações? Hegel foi avisando que as páginas da história sem sofrimento são páginas em branco.


Há filósofos que colocaram a raiz da felicidade no prazer. Mas eles próprios foram prevenindo que há prazeres e prazeres e que os prazeres não podem ser desregrados. Outros apelaram para a virtude: o sábio é livre, porque consente no que não depende dele. Residirá a fonte da felicidade no poder? Seja como for, a omnipotência é uma ilusão. Não há felicidade perfeita neste mundo, só "ilhas de felicidade". No fim, é a morte que nos espera.


Mas há algumas regras práticas, a partir também de conhecimen-tos da neurofisiologia, para uma vida minimamente feliz. Enumero algumas, segundo o filósofo Richard D. Precht, numa estimulante viagem filosófica: "Wer bin ich und wenn ja, wie viele?" (Quem sou eu, e, se sou, quantos?).


Primeira regra: actividade. "Os nossos cérebros estão ávidos de ocupação". Para lá do ter e do ser, é preciso agir, sem agitação.


Segunda regra: vida social. A amizade, o casamento, a família, provocam o sentimento de protecção. Quem tem uma rede densa de relações não enfrenta sozinho preocupações e angústias.


Terceira regra: concentração. É preciso aprender a fruir o aqui e agora nos prazeres simples: o perfume de uma rosa, a sua beleza, o sabor de um vinho excelente. Não se pode viver obcecado com o futuro. Quem só espera vir a ser feliz nunca é feliz.


Quarta regra: expectativas realistas. "Comete-se muitas vezes o erro de exigir demais de si, mas também o de não exigir suficientemente. As duas atitudes geram insatisfação".


Quinta regra: pensamentos positivos. Embora seja mais fácil de dizer do que de conseguir, é preciso ter em atenção a astúcia dos psicólogos: "procede como se fosses feliz, e sê-lo-ás".


A sexta regra refere-se à capacidade de aprender a arte de lidar com as dificuldades e o sofrimento. Há crises salutares na vida.


Finalmente, a alegria pelo trabalho. "O trabalho é a melhor das psicoterapias." É sabido que para Freud a felicidade consistia em "poder amar e trabalhar".


Mas o ser humano vive numa tensão permanente: é um ser de desejo insaciável, de tal modo que o que alcança nunca o satisfaz plenamente. Por isso, Paul Ricoeur falava da "tristeza da finitude" e Santo Agostinho escreveu: "O nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti, ó Deus".

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